Pra boi dormir

O sítio do meu bisavô – Que Deus o tenha finado. – lá no Paraná era um barranco só. A plantação ficava toda lá embaixo e a casa cá em cima. Tinha um olho d’água lá mais pra cima ainda que a água ia dar na grota do outro lado do morro e se perdia toda. Aí o meu bisavô, homem talentoso da cabeça, foi lá e criou um engenho para aproveitar água: rachou três ou quatro jerivás no machado, cavoucou o miolo e conduziu a água até a casa e de lá para as plantações com um sistema de calha suspensas em cavaletes.

Olha só! Fez muito bem o seu bisavô. Outro menos esperto perdia essa água toda, não é não?

Pois é… Mas a história não acaba aqui não. O sistema durou não foi pouco não. Meu avô e meu pai cresceram vendo a água correr pela calha de jerivá. Foi anos isso. Tanto que quando a calha caiu com o tempo… Vixe! A água não parou não. Continuou foi seguindo o caminho. Tinha acostumado.

É mesmo?!

Está lá até hoje ainda.

É mesmo?

Não acredita? É só ir lá no sítio do meu bisavô pra ver a água correndo bonita…

Ô, companheiro. Claro que acredito! Tanto que vou te contar…

Hum…

Meu pai é do Paraná também. Morava em sítio. Tinha um cavalo bom que era coisa de chamar na espora que o bicho disparava. Raçado, viu? Bruto! Alazão de fazer inveja na cidade. Mas era tanta inveja nesse macho que um dia a desgraça aconteceu. Estava lá o pai indo da cidade para o sítio, vindo da festa do Divino, quando ameaçou o pé-d’água. Mas antes do pé-d’água veio a raiarada. Mas era tanto raio que um veio direto neles.

Nossa!

O pai desviou, mas o raio passou lambendo à cara dele o foi direto no Pampo – era esse o nome do cavalo – e torou o pescoço dele. Foi corpo pra um lado e cabeça pro outro.

Nossa! Morreu o cavalo?

Não! O pai foi ligeiro e esperto que só. Juntou as duas partes do jeito que deu. Fez um curativo rápido com taioba e amarrou com qualquer cipó que achou. O bicho levantou na sequencia e meu pai montou e foi pra casa antes de cair a primeira gota.

E o cavalo viveu?

Ô, rapaz! Mais quinze anos depois disso. O problema é que na pressa o pai colocou a cabeça ao contrário e o bicho ficou com as ventas para cima. O Pampo pastava só em ramo alto ou quando a gente ponhava a ração na boca dele.

Mas e pra beber água?

Aí o pai levava ele lá no sítio do seu bisavô!

Observação:
Talvez já tenham ouvido porque eu ouvi muito quando era menino. Contudo, achei interessante deixar no escrito.